Alguns meses atrás, enquanto cruzava o Rio Grande do Sul de carro, me deslocando pela BR-470 para atender um querido cliente, me deparei pela primeira vez com o instigante tema Futuro do Trabalho. Quer dizer… eu até já tinha ouvido alguém falar a respeito, até visto alguma chamada no rádio ou na TV, mas fiz como a maioria das pessoas faz: assume o assunto como confabulações legalistas propondo ou criticando revisões para nossas leis trabalhistas (assunto que DEVERIA ser instigante… mas visto a crise de confiança política atual fica difícil levar fé). Mas o detalhe é que desta vez eu não escutava a rádio local. Escutava o (excelente) podcast da Harvard Business Review, o IdeaCast (#ficaadica). O episódio em questão trazia uma entrevista com os autores do livro “Human + Machine”, Paul Daugherty (CIO da Accenture) e James Wilson (Diretor de TI e Pesquisa de Negócios também da Accenture). E eles falavam sobre os avanços tecnológicos atuais e como eles vão impactar e mudar a nossa forma de se relacionar com o trabalho, a profissão e a produção. UAU! Aquela conversa me arrebatou, abriu minha mente para um futuro instigante e ainda difícil de decifrar onde o ser humano e a máquina trabalham lado a lado e fazem coisas magníficas juntos! Ficou curioso(a)?
Então cola aqui que vou falar um pouco sobre o assunto. Escrevi dois posts inspirado nesta temática. No primeiro eu desdobro este tema com exemplos de aplicação(*), e também refletindo sobre as dificuldades e polêmicas atuais que surgem quando este tema aparece na sala de reuniões da sua empresa ou até na mesa do bar mais próximo. No segundo artigo, que você pode conferir aqui, eu trago um pequeno relato o que a Hélice que a gente anda fazendo a respeito.
(*) Eu inclui uma sessão riquíssima de links para exemplos de quase tudo que eu comento ao longo do artigo. Curiosos podem se banquetear!
Bem, vamos lá, como assim Homem + Máquina?
O primeiro ponto que precisamos entender é que tem muito hype na mídia que está nos deixando míopes. Por exemplo, aqueles filmes do “Matrix” ou do “2001: Odisseia no espaço”, sabe aqueles em que as máquinas nos dominam? Ou então aquele bafafá todo que as máquinas vão roubar nossos empregos, sabe? E, na mesma linha, porém um pouco menos apocalíptica, que as máquinas estão nos vencendo no xadrez ou no GO… Pois é, essas histórias são exercícios imaginativos bem provocantes e importantes em termos éticos e filosóficos, mas é essencial entendermos que essas visões distópicas do futuro acionam nossa Amígdala (aquela parte que fica na base do cérebro e que aciona nosso instinto de “luta ou fuga”). “E daí?” você deve estar se perguntando… Bem, a questão toda é que, quando estamos nesse estado de medo (aliás, o livro “Estado do Medo” do Michael Crichton cai como luva nessa conversa), perdemos foco do médio e longo prazo. Esse pânico nos torna incapazes de processar os desdobramentos, inclusive de curto prazo, que os avanços que as tecnologias, como a inteligência artificial (IA)(*) vão trazer para todas as nossas relações, as pessoais, interpessoais e (adivinha?), as profissionais também.
(*) Futuro do trabalho trata dos impactos de todas as tecnologias, não apenas a inteligência artificial. Outros campos como biotecnologia, nanotecnologia, fabricação aditiva, internet das coisas, entre muitos outros também impactam diretamente esta temática. Neste artigo eu vou estreitar muito a análise para falar majoritariamente sobre IA.
Todo o papo do Paul e do James giram em torno desse dilema. Eles estudam (e desenvolvem também) soluções de IA para aplicar no nosso dia a dia profissional. Dá uma maracujina para sua Amígdala aí e vamos conversar um pouco sobre isso. O ser humano inventa tecnologias para fazer coisas melhor que ele próprio é capaz de fazer desde sempre… Martelos de pedra são melhores que nossos punhos para quebrar coisas, na mesma medida em que trens a vapor são melhores que nossas pernas para nos levar mais longe, mais rápido e carregando mais peso. O ser humano faz isso. Cria coisas, tecnologias. Inteligência artificial é mais uma dessas invenções. Mas aí vem uma novidade que maioria de nós desconhece: as máquinas são boas para uma série de coisas, como coordenação motora, precisão, estamina, capacidade de processamento escalável, lógica, reconhecimento de padrões… Mas isto é apenas uma série de coisas. Há um limite muito bem observável para o que elas são boas. Tem um outro tanto de atividades que elas simplesmente não performam bem como, por exemplo, serem criativas, terem percepção, saberem negociar, terem empatia ou lidarem com ambiguidade. Essas são habilidade inatas do Ser Humano.
A Deloitte lançou um relatório de tendências tecnológicas neste ano de 2018 que tem um capítulo todinho só sobre esta questão. Eu copiei o gráfico abaixo diretamente deste relatório. A imagem traz um bom apanhado, mostrando as GRANDES diferenças entre habilidades e as competências que homens e máquinas NÃO têm em comum. Dá uma espiada.
Fonte: Realtório Deloitte Tech Trends 2018
Interessante, certo? Pois então, são nestas diferenças de competências e fazeres que o livro de Paul e James se baseia! No momento em que o Ser Humano desenvolver e aplicar tecnologias que são capazes de auxiliá-lo a fazer coisas que, na realidade, ele não é muito bom em fazer, ele se tornará exponencialmente mais PRODUTIVO. É disto que o assunto “Futuro do Trabalho” realmente trata. Sobre o design responsável e assertivo de novas formas de criar níveis até antes impensáveis de produtividade para a força de trabalho humana.
Tá… deixa eu interromper tua Amígdala aí porque EU SEI que ela tá querendo bagunçar o raciocínio que estou tentando montar aqui. Por exemplo, é provável que você esteja pensando algo como “Tá… E aqueles vários casos de empresas que dispensaram gente ao automatizarem processos?”. Sim, eles existem, mas já faz anos que a velocidade e quantidade destes casos vem diminuindo. Logo nos primeiros exercícios de trazer IA e máquinas para auxiliar na produção, as empresas entenderam que automatização não é o caminho para transformação digital completa. Por exemplo, vamos pensar que uma certa empresa escolheu um processo hipotético X, composto de digamos Y passos e depois decidiu automatizar Z% destes passos com máquinas. Este caminho aumenta a velocidade de fazer as coisas ainda do jeito antigo.
E qual o problema aí? É que parte das etapas daquele processo não conseguem ser automatizadas, visto necessitarem de competências humanas para serem executados… O que acontece quando parte do processo aumenta a velocidade e outra parte mantém uma velocidade inferior? Você cria gargalos. Esse não parece um futuro do trabalho muito desejável… Certo? Um exemplo peculiar é o da digitalização dos processos jurídicos no Tribunal de Justiça de São Paulo. Eles digitalizaram 100% da entrada de novos processos desde 2016. Os ganhos na velocidade de tramitação são de expressivos 70%, visto que não é mais necessário criar capas, numerar páginas e carimbar. No entanto, a velocidade de julgamento dos processos, no momento que chega a mão do juiz, continua a mesma.
“Apesar do otimismo, o juiz continua a ser um só, como ressalta o presidente da corte, Paulo Dimas Mascaretti. Não pode deixar a qualidade de lado para decidir na mesma velocidade com que o processo digital chega a sua caixa de entrada. Mas a redução da burocracia permite aumentar a equipe de servidores que trabalha diretamente na atividade-fim do Judiciário.”
Fonte: Consultório Jurídico – Artigo denominado “No TJ-SP, processo eletrônico reduz burocracia e o tempo da ação” https://www.conjur.com.br/2016-fev-27/tj-sp-processo-eletronico-reduz-burocracia-tempo-acao
A partir desses achados, as empresas evoluíram a sua percepção de valor sobre a IA. Todas elas começaram com uma ótica de automação (conforme exemplificado) e hoje já estão na fase de imaginação e reimaginação de processos partindo de substratos digitais. Esta postura não elimina trabalho humanos. Ela cria riqueza se valendo daquilo que as máquinas são boas em fazer e criam empregos humanos que são capazes de serem mais eficientes ao usarem a tecnologia ao seu favor.
É nesta encruzilhada que surge o conceito de Futuro do Trabalho encontra aquele do Ser Humano Aumentado (Augmented Human Being) ou Força de Trabalho Aumentada (Augmented Workforce). A KPMG tem um gráfico que ajuda a exemplificar esta mesma ideia. Quando trabalho humano é adicionado tanto por automação de processos robóticos quanto por tecnologias cognitivas, surge o trabalho digital. Vamos falar de alguns exemplos?
Fonte: Relatório KPMG Robotics Revolution, 2018
Talvez a função corporativa que tenha recebido a maior atenção recente quanto a demonstrações do uso de força de trabalho aumentada e o que vem por aí no futuro do trabalho é a de recursos humanos. Aplicações desta área geralmente recebem a alcunha de People Analytics. A Unilever, por exemplo, tem feito vastos investimentos relacionados ao processo de recrutamento e seleção. Por exemplo, a primeira rodada de interação de novos candidatos dentro do funil de seleção acontecem através de um jogo eletrônico, cujo design permite a empresa a testar a existência de diversos comportamentos e atitudes por parte do jogador. A próxima interação é através de uma entrevista por vídeo no qual a instituição embutiu um software de análise visual, projetado para medir elementos como nível de conforto e resposta a estímulos dos candidatos. Apenas na terceira rodada do processo seletivo é quando ocorre um encontro entre dois humanos.
A empresa relata ter dobrado a capacidade de análise de potenciais candidatos (de 15K para 30K), que diminuiu o tempo de seleção de 4 meses para 4 semanas, aumentou a diversidade de pessoas contratadas, triplicou o número de fontes de universidades acessadas para a busca de candidatos, entre vários outros benefícios positivos. O uso combinado da capacidade de processamento computacional (reconhecimento de padrões em um número grande de candidatos e currículos) e a seleção analítica feita com menos vieses do julgamento humano, são apenas alguns exemplos do tipo de produtividade alcançável através do uso de inteligência artifical na força de trabalho.
Outro exemplo forte e recorrente onde o futuro do trabalho parece já ter aterrissado é o dos Call Centers. Existe uma série de funções tecnológicas chamadas de “Tecnologias Cognitivas”, que é composto por algumas aplicações que emulam a capacidade humano de cognição, como, por exemplo, o reconhecimento de expressões emocionais. Através do uso extensivo de aprendizado de máquina e redes neurais profundas (tecnologias responsáveis por alimentar e aumentar o potencial de reconhecimento de padrão das máquinas), a IA é capaz de identificar probabilidade de expressões emocionais pelo tom de voz de quem está fazendo uma ligação para o call center. A partir da análise da emoção expressa, como, por exemplo, uma ligação onde o cliente aparenta estar irritado, brabo ou confuso, o software reconhece estatisticamente quais funcionários do call center tiveram mais habilidade e assertividade de lidar com clientes com aquela determinada expressão emocional e encaminha a ligação diretamente para eles.
Quero explorar um último exemplo que pode ser útil para nos ajudar a botar os braços envolvendo a cintura destes conceitos e finalizar esta exposição de potencialidades para o futuro do trabalho “aumentado”. Pense em realidade aumentada (não realidade virtual… isto é outra coisa – qualquer dúvida vide este link). Hoje já encontramos várias aplicações de RA em situações de treinamentos em ambientes perigosos (como plataformas de petróleo) ou situações médicas (como uma cirurgia). Acionando uma camada de inteligência artificial, baseada em machine vision (tecnologia cognitiva capaz de fazer computadores identificarem elementos visuais através de câmera como a de um celular ou a de um óculos Rift, por exemplo), desbloqueamos um potencial produtividade ao trabalho humano ao, por exemplo, fornecer informações em tempo real para o autor daquela ação produtiva ser mais rápido, assertivo ou produtivo em detectar um vazamento de óleo, mudança de pressão em uma plataforma de petróleo ou então calcular a probabilidade e risco de um determinado procedimento cirúrgico na mesa de cirurgia.
Futuro do Trabalhou chegou… E agora?
Espero que este artigo tenha diminuído o seu medo em relação ao futuro do trabalho e ao risco de que as máquinas vão nos dominar e roubar todo o nosso trabalho. A ideia foi instigar a sua curiosidade e aguçar seu senso crítico para buscar responder para si mesmo “como você pode se preparar para este futuro?”. Quais partes do seu trabalho que poderiam ter sua capacidade produtiva ampliada se adicionado inteligência artificial ou essas outras tecnologias novas? Que novos níveis de produtividade você poderia chegar? Quais são as partes do seu trabalho que realmente te beneficiariam se fossem automatizadas por robôs? Me conta, vai?
Referências sobre “Futuro do Trabalho” para os curiosos de plantão
– IDEACAST, podcast da Harvard Business Review, com a entrevista do James Wilson e Paul Daugherty
https://hbr.org/ideacast/2018/04/how-ai-can-improve-how-we-work.html
– Consultório Jurídico – Artigo denominado “No TJ-SP, processo eletrônico reduz burocracia e o tempo da ação”
https://www.conjur.com.br/2016-fev-27/tj-sp-processo-eletronico-reduz-burocracia-tempo-acao
– Revista do Call Center – Inteligência artificial e sistemas cognitivos mudam o antedimento
– UNILEVER usa inteligência artificial no processo seletivo
https://www.businessinsider.com/unilever-artificial-intelligence-hiring-process-2017-6
– KPMG Augmented Workforce
https://home.kpmg.com/xx/en/home/insights/2018/06/augmented-workforce-fs.html
– PODCAST HBR IdeaCast, com entrevista do Paul Daugherty e do James Wilson
https://hbr.org/ideacast/2018/04/how-ai-can-improve-how-we-work.html
– AMÍGDALA, a parte do cérebro que nos faz sentir o medo
– DELOITTE – Relatório Deloitte Tech Trends 2018
https://www2.deloitte.com/insights/us/en/focus/tech-trends.html
– SMB Insights: Como a Cisco vai revolucionar reuniões
https://smbinsights.cisco.com/home/how-ai-will-revolutionise-meetings
– Wikipedia – Realidade Aumentada
https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade_aumentada
– Flex Interativa – Como usar realidade aumentada em treinamentos
– CanalTech – Como realidade aumentada pode ajudar nos treinamentos as empresas