Numa bela sexta-feira, minha equipe inteira parou para conversarmos sobre robôs, inteligência artifical, aprendizado de máquina, big data(*). Foi impossível não entrarmos na discussão “Ué… mas essas máquinas vão roubar o meu trabalho?”, “Eu acho meio assustador o que estas tecnologias conseguem fazer…”. Mas a Hélice tem uma característica de sempre estar aberta a auto-reflexão e auto-crítica. E, através de uma reflexão sobre como estas tecnologias transformam nossa realidade e como é inevitável termos que lidar com estas transformações, acabamos entendendo que estávamos falando sobre o Futuro do Trabalho(**). Mais especificamente falávamos sobre o futuro do trabalho da (e na) Hélice também, sobre como podemos optar em criar uma visão construtiva e liderar o processo para criar o nosso próprio futuro. A partir deste assunto criamos uma abertura para olhar para nós mesmos e nos perguntar “como podemos melhorar nossa própria capacidade produtiva se olharmos para este assunto e aprendermos com ele?”. Foi aí que surgiu a ideia de trabalharmos com tecnologias cognitivas aplicando-as em dinâmicas de diálogos em grandes grupos! Ficou curioso(a)? Então cola aqui porque quero compartilhar com vocês um pequeno estudo de caso de como nós passamos a aplicar tecnologias cognitivas nos nossos projetos.

(*) Todo mês a Hélice organiza um momento com todo a equipe para compartilharmos conhecimentos, talentos e pesquisas. Chama-se Happy Friday e no dia 25/05/2018 foi minha vez de apresentar e eu trouxe a temática “Tecnologia e Confiança”. Quem tiver curiosidade pode dar uma olhada na apresentação que eu fiz através deste link aqui

(*) Este artigo é o segundo de uma dupla de textos que fala sobre o Futuro do Trabalho. O primeiro você você encontra aqui, nele eu entro em maiores detalhes sobre do que trata este assunto, como tecnologias recentes são a principal locomotiva deste assunto, exploro algumas polêmicas que o envolvem e exemplos de como empresas já tem aplicado estas tecnologias hoje.

Momento teoria: Tecnologias Cognitivas

 

Antes de entrar no estudo de caso, é bem importante que o leitor tenha uma noção do que exatamente eu estou me referindo quando falo sobre Tecnologias Cognitivas. Conforme citei na introdução, há um outro artigo aqui no blog da Hélice onde eu falo sobre Futuro do Trabalho e onde exploro com mais profundidade o que é e como se aplica tecnologias cognitivas, quem quiser pode conferir aqui. Mas, de uma forma bem sintética, computação cognitiva ou tecnologia cognitiva, pode ser entendida como uma série de capacidades que máquinas adquiriram em tempos recentes que lhes permitem executar funções que até recentemente eram restritas a cognição humana. Por exemplo: reconhecer objetos em vídeos e fotos, reconhecer emoções em textos, traduzir diferentes línguas, dirigir um veículo, pilotar um drone, detectar sinais de câncer com mais eficiência, detectar sinais de problemas ambientais e inúmeras outras situações.

Abaixo compartilho dois links para vídeos do YouTube que exploram estes assuntos. Ambos são da IBM apresentando a sua solução de inteligência artificial (com funções de tecnologias cognitivas), o Watson. Aviso que ambos os vídeos estão em inglês.

 

https://www.youtube.com/watch?v=DywO4zksfXw

 

Bem, e como que a Hélice tem usado tecnologias cognitivas para aumentar a sua capacidade produtiva?

 

Boa pergunta! Nós somos uma consultoria de cultura organizacional. Gostamos de um desafio e isto tende a abrir o nosso flanco para trazer inovações para dentro da nossa organização… Mesmo assim, isto não impediu que quando eu propusesse para a equipe que nós poderíamos nos experimentar nessa área todo mundo ficasse me olhando e perguntando “Tá bom Fernando… o Futuro do trabalho chegou… e agora você quer nos substituir por máquinas, certo?”m mas passado o susto inicial, realmente sobrou a pergunta: “Qual parte do nosso processo produtivo, que é essencialmente humano o tempo todo, poderia se servir dessa tecnologia?”.

Nossa empresa tem alguns métodos de trabalho que usamos para enfrentar desafios ligados a cultura organizacional. De uma forma genérica, todos eles envolvem uma etapa de diagnóstico etnográfico presencial e digital, para depois partir para formulação de um programa de ação, posterior execução deste programa de ação e por fim a compilação e entrega de um relatório de devolutiva. Em todas as fases em que nós geramos algum tipo registro de diálogo (por exemplo entrevistas, ou então propostas criadas em algum evento de co-criação) nós nos vemos perante a necessidade de processar uma quantidade incrível de entradas de dados em formato de linguagem natural (texto escrito ou voz gravada).

Este processo de análise, até recentemente, era feito de uma maneira totalmente analógica pelos colaboradores da Hélice. Tínhamos que escutar/ler cada uma das entrada e classificar o que cada uma daquelas entradas queriam dizer através de um processo de criação de categorias contextualizadas ao assunto que estávamos discutindo (por exemplo, em uma etapa de diagnóstico, escutaríamos uma reposta de uma determina entrevista e teríamos que classificar a resposta como “receptiva” ou “não receptiva” frente a alguma determinada proposta de mudança… apenas para dar um exemplo).

Depois de processar todas as entradas poderíamos identificar as propriedades estatísticas do conjunto de dados gerado (por exemplo, identificar que um determinado tipo de cargo tinha mais propensão a se posicionar de tal forma frente a tal assunto do que um outro cargo). Com isso conseguiríamos entender melhor como um determinado comportamento cultural é moldado ou então que tipo de características uma determinada proposição de trabalho provoca nas pessoas. Este processamento de dados por vezes era bastante demorado visto a quantidade de dados que são geramos (centenas de horas de gravação ou então milhares de propostas de co-criação em um evento com algumas centenas de colaboradores).

Nós decidimos usar o poder de processamento das tecnologias cognitivas a nosso favor para analisar estes diálogos. Nos experimentar como uma Hélice Aumentada no que toca a análise das nossas investigações. Computadores são muito bons em reconhecimento de padrões, como por exemplo, usar análise de expressões regulares para identificar frequência que determinados assuntos aparecem em um dado banco de dados. Isto agiliza em muito nossa capacidade de identificar antecipadamente grandes temas que são estatisticamente recorrente em um determinado conjunto de documentos (por exemplo, % das palavras de um conjunto de dados estão relacionadas aos radicais de um conjunto de palavras que nós identificamos antecipadamente como sendo relacionados a uma determinada categoria de assuntos).

Vamos analisar um exemplo específico: Nós usamos uma ferramenta de análise sentimento em texto escrito para identificar o impacto emocional que tivemos em uma atividade em um evento com 400 colaboradores. O objetivo da atividade era de provocar uma reação empática nos participantes e com isso aumentar a consciência sobre um determinado problema que um dos nossos clientes enfrenta com a sua clientela. Aproveito a oportunidade para agradecer o Luiz Rossi, da Cognitiva Brasil, que atuou como consultor na construção e na análise do deste teste.

A atividade se desenvolveu através das seguintes etapas:

  1. Os colaboradores formaram duplas. As duplas foram informadas que elas deveriam interpretar uma pequena cena de teatro.
  2. Cada um da dupla interpretaria um papel distinto. Um seria o colaborador da instituição. O outro um cliente. Cada papel vinha junto com uma instrução específica, sendo que um colega não conhecia a instrução do outro (por exemplo, o cliente recebe a instrução que deve reclamar que a sua necessidade não foi sanada apesar da insistência e persistência do cliente em achar uma solução. Já o colaborador recebe a instrução para passar o problema adiante, dizendo que a responsabilidade sobre aquele assunto é de um outro setor).
  3. A dupla então encenava os seus respectivos papéis durante 3 minutos.
  4. Findado a encenação, pedimos para cada um dos participantes informar que sentimento(s) ele(a) teve ao participar daquela atividade. Estas respostas foram colhidas através de um questionário digital aplicado na hora via smartphone com todos os participantes. Neste questionário , além de colher o sentimento, também pedimos para os colaboradores identificarem se interpretaram um colaborar ou se interpretaram um cliente.
  5. Na sequência fizemos um pequeno momento de reflexão sobre os sentimentos que foram expressados via o questionário. E depois avisamos para o público que aquela encenação que eles acabaram de experienciar era representativa de uma situação que acontecera de verdade na instituição. E, para comprovar o que estávamos falando, tocamos um áudio, a gravação de uma ligação telefônica, onde um colaborador ligara para um cliente que explicou que estava tão insatisfeito com instituição devido aquela situação que ele vivenciou que havia cessado o seu relacionamento comercial com eles (deixara de ser cliente).
  6. Naquele instante pedimos para os colaboradores novamente expressarem os seus sentimentos, agora que sabiam que aquela situação ocorrera de verdade.
  7. Finalizamos a atividade comparando os sentimentos de antes e depois do áudio e fazendo uma reflexão de que tipo de comportamentos eram necessários buscar para evitar que situações como aquela não acontecessem mais.

A forma como aplicamos as tecnologias cognitivas se deu no processamento e análise dos depoimentos colhidos para categorizá-los em possíveis expressões emocionais. Dessa forma poderíamos mensurar o impacto emocional que atividade teve. Este é um exercício deveras importante na comprovação da importância do pensamento empático em processos de construção de consciência e significação em projetos corporativos, especialmente aqueles voltados para mudanças culturais.

O resultado deste experimento pode ser conferido na imagem abaixo. Ela apresenta quatro gráficos. Os gráficos da esquerda representam as respostas dos participantes antes de escutar o áudio e os gráficos da direita representam as respostas após. Os dois gráficos de cima são gráficos com as respostas dos participantes que interpretaram o colaborador, e os dois gráficos abaixo representam as respostas daqueles que representaram os clientes.

Cada gráfico é um histograma com a distribuição do total de respostas ao longo de 6 categorias distintas de tipos de expressões emocionais reconhecidas nos depoimentos escritos enviados pelo survey. As 6 possíveis categorias são: Tentative (hesitante ou apreensivo), Sadness (Tristeza), Joy (Alegria), Fear (Medo), Confident (Confiança), Anger (Raiva), Analytical (Analítico, representa expressões sem conotação emocional, ou seja, expressões puramente racionais e objetivas) e por último Null (Nulo, categoria para representar expressões que não se encaixavam em nenhuma das outras 5 categorias).

Tecnologias Cognitivas - Resultados experimento Hélice com Tecnologia Cognitiva

Fonte – Hélice 2018

A análise dos gráficos apresentam alguns padrões e comportamentos muito interessantes. Em primeiro lugar, é interessante observar que antes de escutar os áudios, a distribuição das respostas ao longo das categorias é muito parecida quando comparamos os colaboradores e os clientes. Há clara prevalência dos sentimentos de “Fear”, “Anger” e “Sadness” (nesta ordem). A diferença mais expressiva entre os dois grupos antes de escutar o áudio é que no grupo de clientes há também duas concentrações menores, porém notáveis, de respostas nas categorias “Joy” (supõe-se que a atividade tenha sido mais divertida, ou até gerado mais situações cômicas, para quem estava fazendo este papel) e “Null” (falarei mais sobre esta categoria a seguir).

O segundo ponto interessante de observar é que esta tendência de distribuição parecidas entre as categorias não se mantém após os participantes terem escutado os áudios. Observa-se clara e visivelmente que a distribuição de sentimentos entre os dois públicos é muito diferente um do outro. O colaborador relata principalmente o sentimento “Sadness”, e na sequência “Fear” e “Anger” (sendo que a soma de respostas nestas duas categorias ainda é inferior ao total de respostas relacionadas a “Sadness”). Presume-se que os colaboradores, através do processo empático, tenham reconhecido sentimento de tristeza e culpa, provavelmente até de identificação, com o comportamento da encenação que gerou o problema relatado no áudio.

Por um outro lado, ao analisar as respostas dos que representaram os clientes, nota-se clara concentração em apenas duas categorias. A primeira sendo “Fear” (nossa análise aponta para um possível sentimento de medo que as ações cotidianas deles, como colaboradores, possam gerar resultados parecidos com aqueles relatados pelo personagem que eles interpretaram na encenação) e a segunda sendo “Null”. Eu disse que voltaria para o assunto do “Null”! É estranho observar o número de respostas que se concentraram nesta categoria neste gráfico. Para tentar compreender o que aconteceu, tivemos que entrar no banco de dados e aprofundar a análise lendo cada uma das respostas (lembre-se, no final das contas, as máquinas ainda não são perfeitas). Logo entendemos o porquê deste resultado: a maioria das respostas nesta categoria apresentam um comportamento de expressões coloquiais, como por exemplo “Jesus, jesus, jesus”, “Bá!”, “Pirei a cabeça!”. É importante salientar que, como estávamos fazendo um teste, um elemento técnico que não investimos tempo foi o treinamento do software através de machine learning (aprendizado de máquina) e um banco de dados de testes. Para quem não entende os detalhes técnicos, basta compreender que a inteligência artificial é capaz de aprender a reconhecer respostas como estas citadas acima e classificá-las, mas você, Humano, tem que treinar a máquina antes para fazer este reconhecimento (isto chama-se Machine Learning).

O total de respostas que foram categorizadas e analisadas somava mais de 900, proferidas pelos 400 colaboradores presentes ao longo da atividade. Toda esta análise foi feita em menos de 1 hora usando algumas técnicas simples de limpeza de dados, expressões regulares e uma aplicação na nuvem que fazia a identificação sentimental. Nos tempos antigos, a Hélice usando até 02 colaboradores, demoraria de 1 a 2 dias de trabalho para chegar ao mesmo resultado. Poder entregar este resultado no mesmo dia para o cliente foi vital para reorganizar o evento para dar conta de processar estes sentimentos que surgiram na equipe e, desta forma, ajudar a instituição a propagar o seu projeto de transformação cultural.

 

Futuro do Trabalhou chegou… E agora?

 

O Futuro do trabalho já chegou. Com ele coisas incríveis como inteligência artificial, aprendizado de máquina, big data, tecnologias cognitivas. A Hélice adora explorar novos horizontes. Confesso que às vezes a equipe fica de cabelo em pé (“Nossa! Como vamos lidar com isso?”), tem pensamentos pessimistas (“Meu deus! Robôs querem roubar meu emprego!”), quer fugir da raia (“Sai dessa que não é para mim”), mas no apagar das luzes nossa cultura sustenta estas experimentações (“Poxa, que incrível este resultado!”), nutre o senso de coragem (“Confia no processo e esteja aberto ao resultado!”) e nos propele a nos testar. E que bom!!!! Sem estas experimentações todas eu nem teria assunto para conversar com vocês agora =)

A Hélice continua muito intrigada com as potencialidades de aplicação de tecnologias cognitivas (bem como outras formas de inteligência artificial) na nossa própria área. Mas também temos muita preocupação com as implicações éticas e morais que esse tal de Futuro do Trabalho traz junto para a humanidade. Apenas optamos, no lugar de deixar nossas Amígdalas proclamarem pânico, nós preferimos ser protagonistas nos testes e aprendizados necessários para criar a consciência e a cultura necessária para usar essas novas tecnologias de forma responsável e construtiva. E você? O que vai fazer a respeito?

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